Dando continuidade a série, sobre meu estágio em uma penitenciária de Minas Gerais, onde a primeira postagem e a segunda podem ser conferidas, aqui e aqui.
A enfermaria
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Típica rotina de trabalho do local. Fonte aqui. |
Como já é sabido por todos, preso tem direito a saúde, dentista e acompanhamento médico. Como eles não podem ir até os postos de atendimento, os postos de atendimentos vêm a eles. Dentro das unidades, há sempre (quase sempre) uma enfermaria, equipada com aparelhos e profissionais da saúde: médicos, enfermeiras, farmacêutico, dentistas, profissionais da saúde em geral.
Algumas unidades são melhores equipadas, outras não. A que eu estava possuía todos os profissionais que listei acima, quase todo o corpo de profissionais deste local era composto por mulheres, tendo apenas um ou dois ASPs realizando a segurança do local.
Uma das grandes dores de cabeça dos gaiolas (ASPs que tomam conta da gaiola: área limite do ponto crítico (celas) com a área de segurança) são as dezenas de "caô" que os presos ficam enviando para eles. Caô são bilhetinhos que os presos deixam com os gaiolas, solicitando atendimento (médico, jurídico, educacional, visitas íntimas, etc) muitos contendo uma boa dose de mentira e enrolação, outros não.
As enfermarias, são minas de ouro para os presos e para o comércio entre eles. Como os presidiários possuem direito a remédios e as unidades de tratamento possuem remédios importantes para o "convívio social deles" não era de se esperar outra coisa. Estou falando dos remédios taxa preta, controlados e outros de mesma natureza. Remédios que são usados como drogas, para provocar as "viagens", para potencializar os efeitos das drogas, os que misturados com outros, ou tomados em grandes doses provocam efeitos psicodélicos ou psicotrópicos.
Os presos gostam tanto de remédios que há até uma expressão dos agentes penitenciários: "Com um vidro de Tylenol, você segura uma rebelião".
Os diretores até que tentam realizar um controle destas substâncias e remédios, mas por lei não podem negar remédios aos presos, sem contar que alguns presos conseguem via jurídica para receberem tantas doses de determinado remédio. Ainda mais pela condição carcerária deles, é relativamente fácil para um preso conseguir pela justiça o direito de fazer usos desses medicamentos, para aliviar seu traumas e stress.
Há sim o atendimento a presos que estão realmente doentes, com doenças graves ou menos grave, mas o comércio de remédios existe e é bem rentável na cadeia, tanto para os presos tanto para os funcionários. Vocês conseguem ler nessas entrelinhas o que quero dizer, não que eu tenha visto, apenas escutado histórias.
Uma das coisas que os presos gostam de fazer também, é mostrar o pênis para as enfermeiras. Eu devo ter levado uns 10 presos para atendimento médico nas partes íntimas. Alguns (quase todos) presos ficavam algemados para a frente, e as próprias enfermeiras tinham que tirar a calça e cueca do indivíduo, para pegar na rola do preso. Eu tinha que ficar no consultório, protegendo a integridade física da enfermeira, acabava vendo essas cenas (homem pelado é que mais se vê nas cadeias). Algumas vezes elas faziam com gosto, outras vezes com nojo. Alí pude notar como mulheres agem em relação ao tamanho do órgão masculino, experiência ao vivo e em loco.
Normalmente a cara, o sorriso, higiene e a conversa do preso faziam com que elas fossem mais receptivas a consulta, o cheiro incomodava muito elas, a aparência e tamanho também. Ou talvez foi apenas viagem e minha imaginação tendenciosa. O fato é que havia sim diferença no tratamento dos presos, diante deste tipo de consulta, os motivos não posso afirmar quais eram, apenas suspeitas tendenciosas ao folclore urbano.
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Fonte: aqui |
Não quero dizer que presenciei mamadas e relações sexuais, apenas que algumas vezes elas faziam uma vistoria mais detalhada, ficavam mais tempo segurando o órgão, algumas vezes faziam perguntas clínicas segurando o phalus, esboçavam sorrisos, na maioria das vezes nem olhavam direito. Uma grande parte do público de presos são compostas por moradores de ruas, viciados que nem banho tomavam, doentes aidéticos, mendigos, aleijados. Há também a outra parte, presos fortes, musculosos, jiu jiteiros, chefes de tráficos, brigões de bar, ratos de academia, lutadores de muay thai, etc. Até um ex vereador da cidade eu encontrei lá dentro. Sem contar que tem muita rotação de preso, é gente entrando e saindo presa o tempo todo, e na penitenciária havia mais de 1000 presos, onde uns 300 rotacionavam por mês. Tenho uma leve suspeita que essas meninas e mulheres viam e seguravam mais pênis que muita garota de programa por aí.
Na enfermaria também há celas, normalmente presos que precisam de tratamento médico especial, X9, presos marcados para morrer, estupradores de menor, ou então estão se recuperando de uma bela surra que tomaram de outros presos, ficam acautelados na enfermaria. Em geral, presos que precisam de seguro e não tem onde colocá-los.
Na semana em que estive lá, notei que a rotina é bem, mas bem mais leve do que as dos postinhos de saúde públicos. Não há filas, pessoas doentes caídas pela chão, cadeiras ou macas nos corredores. Ficam no máximo um ou dois presos recebendo atendimento na enfermaria, após o atendimento terminar é que elas (enfermeiras) dão autorização para buscar outro preso para o atendimento. Há também um limite máximo de presos que elas atendem por dia, acredito que cada uma deve atender no máximo uns 5-7 presos por dia, não posso afirmar com precisão os números, mas sei que não é muito, sempre que chegava lá havia uma roda de conversa, claro, casos graves se abre exceção. Os agentes penitenciários, não gostam também de ficar entrando em corredores e celas lotadas, para tirar preso para o atendimento, então nem eles nem elas reclamam da falta de atendimento clínico. Acredito que durante as campanhas de vacinações, o trabalho é um pouco mais puxado, eles possuem direto prioritário de receber vacinas, por estarem em ambiente confinado.
Quando há casos mais graves, ou quando não há especialistas no unidade, os presos são escoltados até os hospitais públicos. Eles, os presos, possuem atendimento prioritário e passam na frente de todo mundo, não importa o tamanho da fila que a unidade de saúde pública possuí, eles sempre são atendidos rapidamente.
Jurídico e cartório
Essa parte, infelizmente eu não tenho muito o que falar. Só fui duas vezes a estes locais, não tive muito acesso a este departamento penitenciário. Nem fotos eu encontrei na net, então vamos ter de exercitar a imaginação.
Uma coisa que vamos ter em mente é que advogados são semi-deuses para os presos, eles são quem ajeitam suas vidas dali para frente. O atendimento ao jurídico e ao cartório, são também fontes de muito caô, os bilhetinhos dos presos para os agentes de segurança penitenciários. Jurídico e cartório são departamentos diferentes também.
O Jurídico é onde os advogados contratados pelos presos atendem e são muitos. Eles, os advogados, são imunes as leis penitenciárias. Podem entrar e estacionar seus carros dentro das penitenciárias, podem andar sem escolta (ASPs) pela penitenciária, não podem sofrer revistas, não podem ter seus pertences revistados, possuem salas com acesso a internete, podem usar celular dentro da penitenciária, possuem café e lanche da tarde bancado pela unidade penitenciária.
Vou tentar descrever um pouco o prédio e ala jurídica. Eles possuem um prédio, afastado dos demais pavilhões dos presos, não muito. O prédio tem a sala de espera, onde os advogados ficam aguardando os agentes trazerem os presos para o atendimento.
A sala está equipada com mobiliários, como sofá, filtro, garrafa de café, mesas, copos descartáveis, uma televisão lcd, duas baias com computadores conectados a net. Normalmente, eles ficam conversando fiado, no telefone ou navegando na internete enquanto aguardam seus clientes. Não são mobiliários novos, e nem os pcs são de última geração.
Já logo quando entrei no local, fui estranhamento abordado por três advogados com seus ternos, gravatas e pastas. Eles vinham com jogos de perguntas sobre como os agentes estavam no dia, de como ouviam barulhos estranhos vindo dos pavilhões, que tinham visto presos mancando, o que eu achava das leis carcerárias e de como os presos são tratados. Se eu achava certo punir quem já estava sendo punido pela sociedade, tentei ficar calado, não por ser velhaco com as artimanhas deles, apenas por que estava me sentindo oprimido. Sentia que eles estavam procurando algo para usarem a favor de seus clientes, ou para ferrar alguém alí. Eles eram eloquentes, bem articulados e eu, um sujeito do interior sempre fico acanhado e sem jeito diante de pessoas assim, normalmente acabo ficando mudo diante dessas pessoas. Como mecanismo de defesa social, para não dar muita bobeira, gafes, ou medo de me passar como idiota.
O agente que estava me instruindo, logo me tirou para longe dos advogados e me recomendou ficar bem longe deles, alertando que é bem comum eles abrirem processos contra os ASPs.
Quando o Agente chega com o cliente (preso), o advogado se levanta e o conduz para uma corredor, cheios de salas, as quais possuem um vidro (janela que não abre) que dá para este corredor, sua medida deve ser de 25 cm x 25 cm. Nesta sala, só é permitida a entrada do advogado e do preso, o agente penitenciário deve ficar do lado de fora, para não ouvir a conversa e nem ver os detalhes do que se passa no atendimento, apenas observando pela vidraça do lado de fora. Se o advogado passa algum celular para o preso, ou outro material proibido no estabelecimento, o agente tem de responder no cartório, sobre sua postura e falta de atenção na hora de conduzir um preso para o atendimento.
Já o departamento que eles chamam de cartório, é onde os presos fazem as denúncias de maus tratos, agressões verbais e físicas que sofrem dos agentes penitenciários. Se o agente não fez seu trabalho de ouvir e atender os pedidos dos presos, se eles lhe faltaram com respeito, se agrediram, ou tiveram atitudes agressivas com as visitas, etc. É uma sala que possui um movimento considerável, tanto de presos fazendo as denúncias, como de agentes que têm de darem as devidas explicações para seu desvio de conduta.
Os agentes não têm acesso aos advogados e analistas jurídicos que a penitenciária possui, eles só atendem as solicitações dos presos e abrem processos contra os agentes, ou fazem trâmite jurídico de redução de pena para os presos.
Está ficando mais extenso do que eu imaginava, ainda vou ter de fazer a parte 4 e quem sabe a 5, para terminar minha experiência. Se quiserem que eu pare, para não ficarem enchendo o blog roll de vocês com assuntos que não é pertinente a blogosfera, é só dizerem. Ou então, se possuem alguma curiosidade sobre estes estabelecimentos que não estão sendo contempladas neste humilde relato.
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