Dando continuidade a série, onde conto minha experiência sobre o curso de formação técnico-profissional de agente de segurança penitenciário (ASP), onde tive de frequentar uma penitenciária por 60 horas.
A parte 1, 2 e 3 podem ser encontradas respectivamente: Parte 1, Parte 2 e Parte 3.
O pavilhão dos presos sem condenação
- Bem vindo ao inferno!! Eram os gritos de boas vindas. Link da Fonte da imagem aqui. |
Depois de passar pela estadia na enfermaria, jurídico e cartório, nos pavilhões mais novos, com presos condenados, no pavilhão da escola onde habita os presos mais antigos e os chefes das organizações criminosas, é hora de adentrar os corredores do pavilhão dos presos recém chegados, ou que aguardam sua condenação.
Este era o pavilhão onde tinha acontecido o motim logo no primeiro dia que chegamos, é o pavilhão onde se houve gritos e barulhos o dia todo, muito diferente do silêncio dos outros pavilhões ainda mais para mim que estava há dois dias preso na atmosfera silenciosa e tenebrosa do pavilhão escolar.
Já logo na entrada deste pavilhão, o choque das realidades pode ser percebido. O cheiro de suor e merda humana já adentrava as narinas, o chão era sujo, emporcalhado com poças de água parada e suja que estavam alí há dias. Eu fiquei com medo de passar por cima dessa água suja e parada, com meu tênis, com medo de molhar meus pés e pegar uma doença, talvez até incurável. Mas era o única caminho a ser seguido.
Era o pavilhão mais antigo da penitenciária, nele não há aquele corredor longo cheio de grades que antecede a gaiola e os corredores das cela, ao atravessar a primeira porta de grade do pavilhão, você já dá de cara com o corredor cheio de celas, são dois andares cheios de celas. O prédio tem forma retangular, com o pátio de banho de sol separando as celas do lado direto, das que estão no corredor do lado esquerdo.
Os presos ao verem os novatos, com suas camisetinhas brancas chegarem, começam sua recepção de boas vindas aos novatos!!
Eram centenas de presos gritando, cuspindo, xingando, batendo nas grades e os pés no chão com força. Pude sentir o chão sobre os meus pés tremerem, não ouvia uma voz sequer dos meus colegas de equipe, estavam todos mudos, enrijecidos, apenas caminhavam para frente seguindo o falcão.
Se não tivesse a presença dos novos recrutas alí comigo, mais 34 aspirantes e três APS eu não teria conseguido atravessar aquele corredor como o fiz.
Quanto mais adentrávamos o corredor, pior era a sensação. O barulho era ensurdecedor, o piso do corredor tremia, eram dezenas de presos dentro de cada cela. Eles chutavam as grades e as paredes das celas, eu torcia e rezava para que elas aguentassem e não quebrassem.
O fim do corredor foi a parte mais tensa, a única saída estava a centenas de metros de distância, eu olhava para trás e via todas aquelas grades batendo, as paredes e grades tremiam com os golpes que recebiam. Dava para ver com exatidão as paredes e grades em vergalhando um pouco, eram dezenas que pareciam centenas nessa situação.
O cheiro de maconha e suor irritava as narinas, o cheiro da erva queimando estava em todas as celas e estas exalavam esse bafo de maconha, suor e calor.
Na hora não sabia como, mas grades seguraram a fúria dos presos, e chegamos ilesos a gaiola de entrada do corredor, muitos recrutas tinham marcas de cusparadas em suas roupas e braços, eu tive a sorte de não ter nenhuma.
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Eu saí da gaiola para respirar, tomar um ar, passar uma água no rosto e tomar um pouco de água. Muitos, senão todos os recrutas da equipe fizeram o mesmo.
Passado esse momento de apresentação aos presos, o barulho foi abaixando, e os pontapés nas celas foram cessando. O presos riam e faziam comentários altos quase gritando sobre nós, eles se divertiram passando medo em mim, em nós todos da equipe.
De certa forma, os presos sabem que os novatos têm medo deles, de andar pelos os corredores, eles se aproveitam e se divertem com isso, com o passar do tempo isso ficou bem visível para mim, para nós todos. Essa desgraça de gente, usa toda sua inteligência e artifícios para a maldade.
Nas outras vezes em que entrava no corredor para tirar algum preso, ou ouvir reclamação da alguns, era comum ouvir comentários do tipo: " - E aí verdinho, soltou barro a primeira vez que me viu?; - De vagar aí, senão a cela vai quebrar". Os comentários viam cheios de gargalhadas e risos da cela toda.
Com passar do tempo você vai ficando mais tranquilo e os presos quando notam que eles intimidam menos, acabam diminuindo as agressões físicas, verbais e mentais. Mas confesso que durante os dia em que estive neste pavilhão, sempre tive medo de entrar em seus corredores, celas superlotadas (igual da foto), preso xingando e batendo na grade sempre que você passa, corredor exalando maconha. Eu e dois companheiros conseguimos permissão para adentrar só nós três no corredor, queríamos ver como é a sensação, já que no dia a dia é este o número de agentes que entram nesses corredores. Não é uma boa sensação, não mesmo, pode se acostumar com isso sem problemas, mas de fato, te afeta muito de maneira inicial. Passar por centenas de presos que ficam te encarando, mostrando as tatuagens de palhaço que carregam com orgulho pelo corpo, estufando o peito e lhe ameaçando com o olhar. Demora-se a acostumar com este ambiente.
O pátio deste pavilhão era totalmente destruído, marcas nos muros de vandalismo, marcas de roubo dos vergalhões de aço que fixam as muralhas expostas, mas já sem os vergalhões pois os presos usam esses materiais para fazerem armas artesanais. Pichação do PCC no chão, e nas paredes, desenhos de curingas por todos os lados. Havia um muro que separava o pátio em dois, para separar os presos durante o banho de sol, mas só restava a base e alguns tijolos deste, que fora destruído a pontapés e teve sua ferragem arrancada para produção de armas.
Durante uma de minhas conversas com os agentes que trabalhavam neste pavilhão, perguntei se eles não tinham medo dos presos quebrarem as grades, já que quase quebraram elas quando nós chegamos, a resposta dele foi a seguinte: " - Cara, na verdade elas já estão quebradas, durante aquele motim que teve na segunda, quando eu subi no segundo andar para trancar a gaiola, os presos estavam todos nos corredores, com as blusas tampando seus rostos e com suas facas e ferros em mãos, essas celas estão quebradas há tempos, eles abrem e fecham isso a hora que querem"
Já podem imaginar como eu me senti, após saber deste fato!
Neste setor há também o setor de triagem, quando a unidade recebe um novo preso, ele é levado a este setor, onde guardam os pertences do preso, e lhe dá sua nova roupa e o encaminha para alguma dessas celas, onde ele irá aguardar seu julgamento ou seu advogado. Há poucos meses atrás, todos os presos tinham a cabeça raspada e tomavam um esguicho de água fria, mas hoje em dia só pode ter o cabelo raspado o preso que pedir ou concordar com isso, o esguicho ninguém quer mais tomar.
Este setor tem muitos problemas, pois há muitos viciados que chegam da rua e ficam nessas celas, pelo cheiro, acredito que maconha não deva faltar para eles, mas as outras drogas são mais difíceis para se conseguir. As organizações do crime, proíbem a venda de crack na cadeia, só alguns presos tem permissão para vender crack e cocaína nas penitenciárias, assim fica mais fácil de controlar o rebanho deles nestes estabelecimentos. 90% dos viciados fazem qualquer coisa por uma pedra de crack.
E quando a síndrome de abstinência atacam esses indivíduos, o que acontece frequentemente, acontece muita bagunça nas celas, brigas, presos que passam mal, que gritam e berram a dia todo. É sem dúvida alguma, o pior local para se trabalhar na penitenciária em que eu estava.
É muita, muita coisa para contar e sinto que não consigo expressar bem como realmente foi a experiência, mas estou tentando. É muito detalhe, muita coisa, uma estrutura complexa para se contar, sinto que vou chegar até a parte 10. Tem muita coisa que ainda quero descrever como foi, e a minha percepção sobre a rotina e vida dos presos.
Em breve, sai a parte 5. Aqui foi a realidade foi mais próxima do que vemos aí nos sensacionalismo da mídia.
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