10 de fev. de 2017

60 horas em uma penitenciária! Parte 2

Dando continuidade a série onde relato minha experiência de trabalhar, na verdade frequentar, uma penitenciária por 60 horas.

A primeira parte pode ser conferida nesta postagem!  

O Motim!

Fonte: http://s.glbimg.com/jo/g1/f/original/2013/02/22/dsc05567_pedrotriginelli.jpg
Após eu adentrar os portões desta masmorra, digo penitenciária, e me tranquilizar mais, devido a contingência de recrutas e pela melhor aparência do local, fomos divididos em equipes, onde tivemos nosso cronograma de visita e designado um falcão (líder) que ficaria de olho e cuidaria de nossa equipe de novatos. 

Ao todo, acredito que a penitenciária estava recebendo 160-180 estagiários, minha equipe era composta por cerca de 35 homens.

No primeiro dia fomos levados ao pavilhão onde ficam os detentos já com condenação. Uma coisa que descobri é que preso condenado dá menos trabalho dentro das penitenciárias, tanto que presídios onde teoricamente só há presos condenados, o trabalho é mais tranquilo. 

Era o pavilhão mais novo, com muito espaço e cheio de grades e gaiolas de proteção, os banheiros estavam todos destruídos e sujos, impossíveis de serem usados com tranquilidade.  

Corredores que levam as alas das celas. Porém este é de uma cadeia privada, a "nossa" tem o chão de cimento já deteriorada, paredes sujas e encardidas, grades enferrujadas. Fonte neste link

O falcão, diante da última gaiola de cada bloco antes de entrarmos nos corredores das celas, nos instruía e orientava a respeito dos presos e do local. Essa gaiola, é uma gaiola mesmo, quadrada, composta de grades e telas até no teto, com duas portas. E esta, a gaiola, é cercada ainda por dois conjuntos de grades, é o limite de área de segurança e da área crítica, os corredores onde ficam as celas e os presos. Não importa o que aconteça dali em diante, as grades e portões que trancam a gaiola e os corredores das celas devem ficar sempre fechados, mesmo que os agentes ali dentro estejam sendo atacados, violentados e outras coisas mais. 

O falcão apontava sobre os detalhes da celas e corredores, mas eu só conseguia ver as telas e as grades. As telas são muito finas e justas, quase não havia espaço para passar a luz, e me perguntava como ele conseguia ver através dessa cortina de grade e tela.

Foi quando ouvimos os primeiros estrondos, barulhos de tiros e granadas, distantes. Por segurança fomos retiradas para fora do presídios e tivemos de aguardar 4 horas lá fora, no pátio que do estacionamento. O motim aconteceu em outro pavilhão distante (há penitenciária é bem grande), lá fora eu só ouvia os barulhos das granadas e tiros de borracha. Conversando com os colegas que estavam no pavilhão do presos provisórios, onde aconteceu o motim, eles descreveram que os presos que estavam no pátio, tomando o banho de Sol, começaram a gritar o hino do PCC e a jogar pedras na gaiola onde eles estavam, então o esquadrão especial interveio, para acalmar os ânimos do presos que queriam fazer uma bela recepção para os verdinhos(novatos).

Apesar de eu não ter presenciado a cena de camarote, foi a primeira vez que ouvi barulhos de granadas de IMPO (Instrumento de Menor Potencial Ofensivo) sendo explodida e de 12 cuspindo balas de borrachas.  

A Escola


Dentro desta unidade, há uma escola em funcionamento, "educando e ressocializando os presos". Ela está inserida no melhor pavilhão da penitenciária, onde não há superlotação das celas, apenas lotação (Se a cela tem 4 beliches, tem 4 presos), onde os corredores são mais limpos que dos outros pavilhões (Presos selecionados têm de fazer uma boa faxina no local), não há gritarias e bateção de cela o dia todo. Na verdade há um silêncio constrangedor durante a maior parte do tempo, ouvindo ás vezes o cochichar de vozes. Até as TVs são ligadas quase que no volume mínimo, dentro das celas, e todas elas, possuíam de uma a três TVs e outros utensílios, como rádios, livros. Como fiquei apenas um dia lá, e o acesso e horário aos corredores são restritos, acredito que seja um acordo mútuo de boa vivência entre os presos e os ASPs (Agentes de Seguranças Penitenciários), e pela falta de luminosidade das celas, ainda vou falar sobre elas, não se dá para ver tudo que há dentro de uma cela, por mais minúsculas que elas sejam.

É onde a maior parte dos grandes criminosos, chefes de facções e tráficos estão! Ou então, os presos mais velhos de casa, que pagam cadeia há uns 10 anos.

Os agentes alí não andam batendo botas nos corredores, não falam alto e em tom imperativo, devo dizer que algumas vezes eu mal conseguia escutar e entender o que os agente penitenciários falavam com os presos nas portas das celas, é como se nenhum dos presos quisessem que a conversa ou o pedido de atendimento fosse ouvido por outro ou pela cela vizinha.

Nesse pavilhão, muitos presos tem acesso a educação, salas de aulas e professores. E com isso ganham progressão de pena, além de outros pequenos benefícios que a escola pode proporcionar a eles. Como o fato de estarem em contato com professoras (mulheres) acho que eram cinco professoras e quatro delas namoravam algum preso ali. O fato de como as mulheres são atraídas por esses indivíduos não será discutido nesse momento.

Mas a escola sim, devo dizer que eu como analista educacional, com mais de 50 escolas para olhar, não tinha visto uma escola tão bem arrumada e com mesas e carteiras tão novas. Todo o imobiliário da escola é novo, sem sujeira e em perfeito estado, prateleiras e armários dentro das salas para guardarem seus pertences escolares, quadros e lousas brilhantes e novas. Sala de informática com um computador para cada aluno, porém a direção da penitenciária havia proibido a utilização dos computadores, mas eles estavam lá. A escola não possuía projetos pedagógicos sofisticados, como a rádio estudantil (um rádio que funciona dentro do colégio que é administradas por estudantes), que serve apenas pros alunos enviarem cantadas uns para os outros, ou para estourarem as caixas de sons com seus funks e proibidões, nem tele salas (aulas on-line via telão) ou educação integral. Mas era uma boa escola, com bons livros, poucos alunos por sala, contingente de professores adequado e mobiliário novo.

Se parecia um pouco com essa! Fonte: http://www.piaui.pi.gov.br/images/albuns/album_1961/50461b5227_media.jpg


       
fonte: http://www.visitanteseap.rj.gov.br/VisitanteSeap/images/projetos/gabrielferreiracastilho.jpg

Acredito que o orçamento para essas unidades escolares seja separado do orçamento das outras escolas, porém não consigo afirmar isso aqui. Sei que alguns projetos realizadas nas penitenciárias possuem verbas desvinculadas (quando são separadas de um bolo maior para atender um bolo menor) do orçamento educacional.

Em termos de segurança, a escola é ponto mais vulnerável de toda penitenciária. Nas salas de aulas não há agentes, apenas professores e eles e elas ficam sozinhos com esse tipo de pessoa, tendo apenas sua boa educação como arma para se defender de qualquer coisa que possa acontecer ali. Há também uma certa rixa entre ASPs e Professores, coisa de ideologia.

Há também presos que estudam fora, fora dos muros das penitenciárias. Eles possuem viaturas e motoristas (ASPs) para levar e buscar os mesmos nas escolas e faculdades que frequentam, este é um direito que eles conseguem via justiça e influência.

Se os presos são ou não ressocializados através destas unidades educacionais, não há como dizer! Já me falaram que não há nenhum estudo sobre o caso, sobre até que ponto uma pessoa pode ser ressocializada. Ao meu ver, se é possível, deve ocorrer numa taxa de aproveitamento extremamente baixa, menos de 5%.  

Será que compensa toda verba gasta para um projeto desse, onde há boas escolas dentro de penitenciárias, motoristas e viaturas para levar e buscar presos nas escolas e faculdades?

Logo, logo darei início a parte 3 desta série.


www.arquivos-virtuais.blogspot.com



 
 


 

17 comentários:

  1. Legal o seu relato. Quando comecei a ler achei que ia se dar em uma das penitenciárias que rolaram aquela enormidade de mortes no começo do ano.

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    1. Oi Vira Lata.

      As penitenciárias de MG estão entre as melhores do país, perdendo apenas para as Privadas e Federais.

      Mas elas também acontecem revoltas e mortes também, mas em menor proporção. A que eu estava, já faz cinco anos que não tem rebelião, apenas motim que é onde não há refém nem perda do local de segurança, no caso os pavilhão em sí.

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  2. Fala Vidinho, estou estudando para um concurso de Agente Penitenciário aqui do meu estado, o piso salarial é um pouco menor que o daí, mas a diferença é pouca. Confesso que estou com medo de tudo o que falam sobre a profissão, os riscos etc... Porém acredito que seja um concurso mais fácil de passar em comparação com os demais, como vc mesmo mencionou. Estou precisando de um salário melhor urgente, pois quero começar a poupar/investir e começar o sonho da IF. Sempre economizo 10% do que ganho, mas morando só e ganhando apenas um salário mínimo e uma comissão baixíssima, mal dá para sobreviver. Ansioso pela parte 3 do seu post.

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    1. Anônimo

      Está no caminho certo, é muito mais fácil passar neste tipo de concurso do que em outros civis com salário e benefícios mais baixo. Só faço uma observação nos testes físicos, tem de treinar pq vi muita gente sendo reprovada neles, e não há desculpa nem choro.

      Aqui em MG, dá para se trabalhar tranquilamente nas penitenciárias e presídios. Porém, já ouvi dizer que quanto mais ao norte do país, pior são as condições de trabalho.

      abs

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    2. Anonimo

      Bacana que esteja buscando a IF e que guarde 10% do seu salario para isso. Faz melhor do que gente que separa 10% pra igreja (minha mãe, por exemplo, enquanto eu aqui, precisando de esmola pra cursar a universidade)

      Se ler esse comentário, crie um Nick pra gente localiza-lo fácil. Não precisa nem de blog, mas pode quando quiser compartilhar sobre si e sua trilha pra IF nos blogs da nossa finasfera realista.

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  3. Esses relatos são um entretenimento e tanto para seus leitores vidinho, keep posting!

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  4. Escrevi um comentário aqui mas perdi no internet Mobile. Vou ver se recupero alguns pontos.

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  5. Admito que ocorre muito muito preconceito quando se lida com presidiários. As cenas que eu imagino é de um silencio constrangedor quando vcs agentes ressocializadores ficam a sos com os detentos. É incrível que algumas professoras namorem eles. Vc não tratou sobre isso mas esta ciente do que pensa sobre isso, digamosa real pobretana?

    A cela não lotada que vc descreveu parece com um conto os prisioneiros de Rubem Fonseca, so que a temática é outra e se passa num asilo, não num presidio.

    Não sei o que dizer quanto a necessidade de gastos com presos, mas a pergunta chama para reflexão. Sei que a policia tem outras atribuições previstas no código civil, porem quanto a pequenos furtos, pra mim ela é instrumento usado pela sociedade para garantir a desigualdade. Porque desigualdade existe porque quem muito tem se nega a dividir com quem nada tem. Tipo por exemplo a cena de encouraçado potemkin, quando oficiais colocam próprios soldados marinheiros para fuzilar um marinheiro que iniciou motim por causa deles comerem carne estragada enquanto o alto escalão come enlatados.

    *Não assisti o filme ainda mas ouvi falar sobre, e é uma obra prima do cinema retratando a revolução bolchevique.

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    1. Futuro Alfa

      Rapaz, é bem difícil dizer o que vou falar, estou certo de estar um pouco errado, pois já tenho um coração duro e triste.

      Compensa ficar ajudando quem não luta para melhorar de vida?

      Sei que nossa sociedade é doente e que muita coisa é errada, mas esse povo aí que fica fazendo pequenos furtos, muitas vezes o fazem por escolha própria, por ser mais rápido este caminho.

      Sinceramente, eu não tenho dó desse povo, tenho mais pena do que proletariado, do empregado de chão de empresa, do trabalhador rural, esses que ficam aí nas suas 14 horas na lida. Vendendo literalmente sua vida, seu lazer, sua saúde, em troca de migalhas.

      Vamos cuidar dessa gente primeiro, para depois pensar nas que estão roubando, mesmo sendo pequenos furtos. O tanto que é ruim para a vítima que estava andando na rua, e passa um cara de bicicleta e rouba seus pertences, lhe dando um soco na barriga ou algo assim.

      É uma experiência que a gente nunca esquece, NUNCA MESMO!

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    2. Entendo...

      Mas eu falei isso por causa que também passo necessidade, e sei que se eu roubasse algum item de supermercado, por exemplo, ia em cana, pela polícia, sendo que só o faria por que levo muitos "nãos" da sociedade, quando peço esmola (ou bicos) e sermões do tipo arrume um emprego/trabalho, como se fosse fácil entrar no mercado. Agora, o que me atinge mesmo em cheio é o olhar de superioridade que a classe metida a burguesa quando lhe peço uma ajuda, ainda que necessária. Então pra mim a polícia tá aí pra garantir a desigualdade, manter os privilegios da burguesia. Porém, no conjunto total, concordo que tem um grupo de nóias, muito comum no RJ, que rouba por opção de vida, e isso é mesmo inaceitável.

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